– Casos de desacordo comercial podem obstar a execução de cheque por empresa de factoring?
Empresas de factoring podem propor execução de cheque recebido como título ao portador?
Em primeiro lugar, o cheque é título de crédito nos termos do art. 784, inciso I do Código de Processo Civil
O cheque também é ordem de pagamento à vista, bem como título “não causal” nos termos do art. 25 da Lei 7.357/85, ao contrário da duplicata que obrigatoriamente está atrelada um ato específico, por exemplo.
Na mesma linha, o cheque poderá instruir ação de execução “caso o devedor não satisfaça a obrigação”, nos termos do art. 786 do Código de Processo Civil.
A execução de cheque proposta pela empresa de factoring
No entanto, a divergência ocorre quando o cheque é emitido como pagamento de compra e venda ou prestação de serviços. Em outras palavras, o cheque poderá se submeter à concretização do negócio jurídico subjacente, cuja observância de concretização, nesta hipótese, poderá ser exigida da empresa de factoring.
Entretanto, esse entendimento judicial que mitiga a autonomia e abstração do cheque não é majoritário, podendo ser citadas algumas decisões proferidas por Tribunais Estaduais como E. TJRS, por exemplo, e também pelo Col. STJ (no entanto, nos casos em que há endosso do título).
Em suma, esses entendimentos condicionam o recebimento do cheque por empresa de factoring à efetivação do negócio jurídico subjacente. Esse raciocínio tende a mitigar os elementos previstos em lei e que dão ao cheque autonomia e abstração.
Flexibilização desse entendimento
No entanto, por meio de recente decisão, a 5ª Vara Cível da comarca de Guarulhos/SP acolheu a ação de execução de cheque, o qual, segundo a executada, foi supostamente emitido para pagamento de uma compra e venda que teria sido desfeita em razão de um alegado (e não comprovado) desacordo comercial.
O cheque foi emitido pela empresa executada que atua no ramo de comércio e serviços. Essa empresa suscitou a existência de desacordo comercial no negócio jurídico subjacente, o qual teria originado a emissão do título.
Portador de boa-fé que recebeu o título ao portador
A credora que atua no segmento de factoring demonstrou nos autos da execução que recebeu o título em boa fé. Na mesma linha, o cheque não foi “nominado” a pessoa jurídica indicada pela executada como sendo a beneficiária do pagamento.
Como resultado, o cheque era verdadeiro título ao portador, e não objeto de contrato de factoring, pois acima de tudo, tal alegação não foi comprovada pela executada.
O art. 904 do Código Civil prevê que “a transferência de título ao portador se faz por simples tradição”.
O cheque também não possuía em seu verso a cláusula “não a ordem“. Em outras palavras, isso impediria a sua circulação do cheque, nos termos da lei e jurisprudência, inclusive para empresas que atuam no segmento de factoring, sob pena de indevida distinção.
Ou seja, a ausência da cláusula “não a ordem” no cheque manteve sua a característica de circulação.
Foi também observado que a nota fiscal não possuía qualquer observação que ligasse o negócio com o título extrajudicial.
Consequentemente, a ausência dessa informação também afastou a existência de causalidade entre o cheque e o negócio jurídico anterior, permitindo sua execução e recebimento pela empresa de factoring.
Em conclusão, o cheque devolvido pela alínea 21 – distrato comercial (Cheque sustado ou revogado), pode sim embasar ação de execução pela empresa de factoring. Nessa situação, aquele que recebeu o titulo ao portador é considerado terceiro de boa-fé, nos termos já reconhecidos pela jurisprudência
Processos: Execução nº 1037582.97.2018.8.26.0224
Embargos à Execução: 1043971-98.2018.8.26.0224
Leandro Milini é advogado com mais de 10 anos de experiência no contencioso e consultivo. O profissional integrou algumas das maiores bancas de advocacia do Brasil.
O Advogado milita nas áreas de Direito Civil, Ambiental, Administrativo, Direito Médico e outras (Clique para ver todas as áreas).